"Teu Choro Meu Sol" - Sobre a gestação de um bebê arco-íris
- Bárbara
- 15 de mar. de 2018
- 4 min de leitura
Durante a gestação do Nícolas, muitas pessoas me perguntavam se eu estava esperando meu primeiro filho. Até hoje, quando me vêem com ele, me fazem essa pergunta, e eu sempre me vejo dando uma pequena pausa antes de responder. A resposta mais sincera seria "Não, esse não é meu primeiro filho. Tive um filho antes do Nícolas que faleceu."
No início, tinha dificuldade em dar essa resposta porque me sentia vulnerável e achava que a verdade poderia incomodar meus ouvintes. Mas dizer que o Nícolas era meu primeiro filho também me dava uma sensação ruim, como se de alguma forma eu estivesse negando a existência do pequeno Theo. Hoje procuro dar sempre a resposta mais verdadeira. Afinal de contas, eu tive um filho. Não só ele foi gerido e amado em meu ventre por 6 meses, mas ele foi uma pessoa real. Que existiu nesse mundo por muito pouco tempo, mas existiu. Agora eu digo "não, esse não é meu primeiro filho" e procuro emitir toda paz que existe em meu coração quando falo da nossa perda. Foi difícil, pois foi um choque para todos nós. Aguardamos o pequeno Theo com muito amor e tivemos que aceitar que a sua chegada seria também a sua partida. Passei muita dor física e emocional, mas acredito que superamos a perda de uma forma muito positiva e lidamos com o ocorrido com todo equilíbrio que nossa espiritualidade foi capaz de providenciar.
O mais duro para nós foi ter que contar para todos o que havia acontecido depois. Como eu já estava com a gestação bem avançada, as pessoas que moravam em meu prédio ou que me conheciam no trabalho já estavam aguardando a chegada do Theo. Quando me viram, de repente, sem barriga, começaram a me perguntar sobre como estava o bebê. No início eu não sabia nem que palavras usar para expor a minha situação. Dizer "eu perdi o bebê" não explicava o que tinha acontecido. Eu não o perdi, nem tive um aborto. Eu tive uma infecção, fiquei três dias em trabalho de parto, ele nasceu prematuro e faleceu. Mas como explicar isso dentro de um elevador com aquela vizinha que você nem sabe o nome direito, mas que quer saber se o bebê já nasceu? Foi difícil. E tivemos que fazer isso muitas vezes.
Na semana após a partida do meu filho eu ouvi um bebê chorando no meu prédio. Já era tarde da noite e eu imaginei os pais daquele bebê cansados e possivelmente estressados por conta dos choros ininterruptos daquele pequeno ser que lhes acordava à noite. Eu ouvia aquele choro e me perguntava "Será que esses pais sabem a dádiva que é ter um bebê chorando?" Para mim, aquele choro simbolizava um bebê cheio de vida, se expressando com toda a voracidade de seus pulmões cheios de ar! E foi nesse momento que eu entendi que tudo ia ser diferente quando tivesse meu próximo filho.
Engravidei do Nícolas apenas cinco meses após ter parido o nosso pequeno Theo, e uma história necessariamente influenciou a outra. Procurei trabalhar muito bem a questão do luto para que a dor e a tristeza pudessem transmutar e se transformar em uma história bela sobre os ciclos naturais da vida. Mas tive momentos difíceis durante a gestação do Nícolas. Quando sentia medo ou tristeza, conversava com a minha barriga e tentava explicar o que eu estava sentido. Ele foi o que chamam de "bebê arco-íris", como um arco-íris que surge após uma tempestade. Na realidade, o arco-íris só veio mesmo depois que o Nícolas nasceu. Confesso que a insegurança e o medo de uma nova perda me acompanharam durante toda a gestação, apesar de ter sido em níveis muito leves e controlados. Até as pessoas mais próximas ao meu redor pareciam estar apreensivas e assustadas ao me ver andando por aí com o segundo barrigão, esperando que uma bomba fosse explodir a qualquer minuto.
Quando entrei em trabalho de parto do Theo, estava preparando o Chá de Bebê que faria para ele durante o fim de semana em que ele nasceu, e a temática seria inspirada na música "Here Comes The Sun" dos Beatles. Essa música acabou se tornando uma imagem muito representativa da passagem do Theo em nossas vidas. Ele veio como o sol Londrino: brilhou muito forte e muito belo, mas logo desapareceu por trás das nuvens de chuva. Nos deixou muitos presentes, e um deles foi o de poder receber o seu irmão mais novo com muito mais gratidão pela vida! Procuramos fazer do seu enterro um momento leve e cheio de esperança. Meu marido escreveu um lindo poema, nós imprimimos várias cópias para entregar aos familiares e eu colei em cada poema os solzinhos sorridentes que havia preparado para seu Chá de Bebê.
O mini-documentário abaixo foi feito pela minha irmã e suas colegas no curso de pós-graduação em Jornalismo Digital. A proposta delas era de falar sobre a perda do meu primeiro filho e como isso influenciou a minha segunda gestação. A minha irmã ainda teve a sorte de fazer esse projeto na semana antes do meu segundo filho nascer e conseguiu incluir cenas do parto domiciliar do Nícolas ao documentário, que fez com que tudo ficasse ainda mais belo e sincero. O documentário foi realizado por: Graziele Bezerra, Júlia Carneiro, Jusciane Matos e Maria Clara Oliveira.
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